#10 – papel de trouxa à prova d’água
sobre aumentar o nível de vitamina d, ser uma pessoa sensata e confiar na previsão do tempo (ou no pedro bial)
a manhã (e a manha) da dona helena
todo dia de manhã enquanto eu tomo meu café amargo, saio para pegar sol e elevar o nível de vitamina d ao minimamente satisfatório (não é piada, e sim recomendação médica). pegar um solzinho, diria eu no diminutivo com o qual tratamos sem razão os idosos (idosinhos?) e como se o sufixo amainasse a temperatura. nada disso: ainda não cheguei à terceira idade (ao menos, não no rg) e antes das oito da manhã já faz duzentos graus à sombra nesta época do ano (o rio de janeiro no verão é uma grande air fryer).
naquele dia, o tempo estava uma bosta nublado. nuvens carrancudas como uma segunda-feira bloqueavam a visão do céu azul. os raios de sol se espreguiçavam por brechas finíssimas. mas estavam lá, disse a mim mesmo, convencendo-me com relativa facilidade de que deveria sair. gosto do ritual de me sentar na cadeira de praia diante do pão-de-açúcar (bem dona helena, embora não seja o leblon) e abrir um livro ou um caderno para escrever.
abre parêntese. separei um caderno para escrever um romance batizado de dias nublados. seriam trechos do diário de uma pessoa (não cheguei a definir gênero) angustiada com os rumos da própria vida e que escreve para elaborar os sentimentos e levá-los ao divã da analista. colei um adesivo com o título na capa. por ora, engavetei o projeto. ironicamente, agora levo o caderno de dias nublados quando vou pegar sol. fecha parêntese.
como eu ia dizendo, naquele dia de meteorologia duvidosa, juntei meus trapinhos pertences, passei filtro solar (seguindo o conselho do meu xará bial), peguei minha cadeirinha e fui – lépido e fagueiro – para o meu cantinho na orla tomar meu solzinho. são dez minutinhos de caminhada da minha casa até lá. antes da metade do caminho, o sol desistiu de vez de brilhar e o céu empreteceu.
qualquer pessoa sensata daria meia volta e voltaria para casa. não eu, porque sou trouxa acreditei na moça da previsão do tempo; ela jurou juradinho que não iria chover naquele dia. confiando nela, segui adiante, trocando apenas os óculos escuros pelos de grau (é sempre bom ficar atento às necessidades fisiológicas caninas ou à falta de pedras portuguesas no caminho).
lutando contra moinhos de vento
quando cheguei, o cenário não era de novela do manoel carlos: densas nuvens encobriam o pão-de-açúcar, mal se via o cristo redentor do outro lado, os passarinhos voavam em rebuliço para seus ninhos e quem corria na ciclovia apertava o passo.
o que eu fiz? abri minha cadeira de praia, forrei as costas dela com a camiseta, descalcei as alpargatas (é boa a sensação de mexer os dedos com a brisa do mar soprando os pés, né?), pus minha mochila ao lado e abri o livro. pela próxima hora, era relaxar. só que não.
sem exagero: não terminei sequer um parágrafo. o céu desabou com raiva. os pingos grossos davam socos na pele. para não ser nocauteado, eu me rendi. mantive, porém, o brio. calmamente, fechei o livro, calcei as alpargatas, vesti a camiseta, recolhi meus pertences, dobrei a cadeira e voltei para casa derrotado (e molhado).
morais da história: 1. saia para pegar sol; 2. use filtro solar (o bial, ao contrário de mim, nunca errou); 3. acredite mais no que seus olhos veem do que na moça da previsão do tempo; 4. insistir no erro é burrice sim; 5. papel de trouxa não é à prova d’água.
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enquanto eu não volto...
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por hoje é só. até mais!
Não tem ilustração pós-chuva??? 😆
"insistir no erro é burrice sim" - preciso tatuar isso.