“ao arrepio da lei
comecei ir ao cinema
ver faroeste sem idade pra entrarno meu nordeste
idade nunca foi problema
cidade pequena
todo mundo estava láe o bilheteiro
gostava da sala cheia
eu pagava meia
pra ver django se vingar”(ao arrepio da lei, de chico césar e zeca baleiro)
desde março, quando chico césar e zeca baleiro lançaram ao arrepio da lei, tenho escutado as músicas do álbum com frequência (recomendei aqui, inclusive). a que dá título ao disco – uma declaração de amor ao cinema – sempre me desperta memórias relacionadas à sétima arte. listei algumas nesta edição da newsletter.
luz, câmera, ação!
1.
o rei leão foi, provavelmente, o primeiro filme que vi no cinema. a sala não tinha o formato de estádio e, como eu era criança, tive que ficar no colo do meu pai para enxergar a tela sem a cabeça do espectador sentado à minha frente me atrapalhar. foi por uma circunstância ordinária, mas soa poético ter assistido a um filme sobre a relação entre pai e filho (e a morte de mufasa é uma das cenas mais devastadoras já feitas até hoje) tão pertinho do meu.
2.
na época em que vhs ainda era artigo de luxo, o jornal lido lá em casa lançou – para assinantes – uma caixa com animações clássicas. pagava-se a mais (e caríssimo) para receber. sorte que meus pais não mediam esforços em assuntos culturais. quando aquela caixa enorme chegou, eu mal pude acreditar. eram muitas fitas: branca de neve, a gata borralheira, aladdin e um monte de histórias das quais eu nunca tinha ouvido falar. meus olhinhos infantis certamente brilharam... até assistir ao primeiro vhs. não eram filmes da disney, e sim versões bem toscas das mesmas histórias. debutei em ser feito de trouxa; e as fitas foram parar em um canto esquecido do armário.
3.
não tinha idade para ver titanic no cinema. só fui assistir ao filme quando ele chegou às locadoras (naquela época, demorava uma eternidade para isso acontecer). a saga protagonizada por leonardo dicaprio e kate winslet era tão longa que foi dividida em duas fitas. e ninguém rebobinava a primeira.
4.
navio fantasma foi o filme que eu mais vi na vida. ele é tosco, previsível e tem um elenco duvidoso, mas estávamos de férias na casa de praia em um dia chuvoso e procurávamos um pouco de entretenimento na televisão. alugamos pela operadora. como o aluguel durava 24 horas e a previsão do tempo não colaborou com a piscina, assistimos em looping.
5.
houve um tempo incivilizado em que os lugares no cinema não eram marcados. as sessões de blockbusters aos finais de semana beiravam o caos. eu – que nem sou fã de super-heróis – pensei ser uma boa ideia ver homem-aranha na estreia. comprei o ingresso com três horas de antecedência. pretendia dar uma volta no shopping, mas percebi que já se formava uma longa fila para ver peter parker. resultado: passei mais tempo na espera do que assistindo ao filme.
6.
um bom lugar faz toda a diferença. prefiro me sentar nas fileiras intermediárias (ou um pouco mais para o fundo) e nos assentos da ponta à direita da tela. mas não foi o que aconteceu quando decidimos assistir à estreia da segunda parte de o senhor dos anéis. a sala já estava cheia e sobraram apenas os lugares da frente. ficamos tão perto da tela que, das duas torres, eu mal consegui ver uma.
7.
cate blanchett já me viu dormindo. ou melhor, a primeira rainha elizabeth. quando o filme estreou, decidi testar uma novidade proposta pelo cinema: as espreguiçadeiras da fileira da frente. sessão depois do almoço, ar-condicionado potente, sala escura, poltrona confortável... óbvio que ia dar errado! se eu vi meia hora, foi muito. mas, pelas críticas, não perdi grande coisa.
8.
sem dúvida, 2008 foi o ano em que mais fui ao cinema. no primeiro semestre, eu não tinha aula na faculdade às sextas, justamente o dia das estreias (agora é quinta). no segundo semestre, passei a estudar pela manhã, então tinha todas as tardes livres. devo ter visto, por baixo, uns duzentos filmes. emendava uma sessão na outra (às vezes, duas ou três), ia da comédia ao drama, passando por terror e ação. bons tempos...
9.
sou fã do trabalho de guillermo del toro, criador de universos fantásticos e sombrios em igual medida. o cara é um gênio e tem uma sensibilidade rara. não pensei duas vezes quando o labirinto do fauno estreou e corri ao cinema. fazia calor, embora não muito, e dei o azar de que justamente a sala do filme estava com o ar-condicionado meia-bomba. topei assim mesmo. não me arrependo, porque o labirinto do fauno se tornou um dos meus preferidos, mas saí da sessão parecendo que voltava da academia (e não era a do oscar).
10.
desafio você a encontrar uma mulher mais bonita do que penélope cruz em volver. cheguei à conclusão de que o drama almodóvariano é realmente muito bom ao vê-lo pela segunda vez, porque a primeira experiência foi desastrosa. entrei já com os trailers começados, emendado de outra sessão. lá pela metade do filme, aconteceu o previsível: vontade de fazer xixi. eu não conseguia me concentrar, sentia cada gota saindo do rim e a bexiga prestes a transbordar. resisti bravamente até o final, mas não me lembrava de nada da história, só como penélope estava linda.
11.
num dia de meio de semana despretensioso, fui ver o homem que desafiou o diabo, prestigiar o cinema brasileiro. entrei com antecedência e escolhi um lugar confortável. dez minutos para a sessão começar, só eu. cinco minutos, mais ninguém. dois minutos, sala vazia. passa comercial, passa trailer, passa o aviso da seguradora... nenhuma viva alma! o homem só não desafiou o diabo sozinho porque eu estava lá.
12.
a estreia de avatar foi um delírio coletivo. james cameron moveu mundos e fundos (e põe fundos nisso) para chegar à tecnologia capaz de realizar uma produção tão superlativa. paguei uma fortuna no ingresso, porque o filme tinha que ser visto na sala mais high tech da cidade. tudo visualmente incrível, mas que porre é colocar os óculos 3d por cima dos de grau. bastou meia hora para minha cabeça latejar. uma hora depois, veio o enjoo. e o filme não estava nem na metade. quando a experiência finalmente acabou, eu só pensava que morrer talvez tivesse sido menos sofrido. filme em três dimensões? 3deus me livre!
depois dos créditos
13.
quase todo mundo viu tropa de elite de forma clandestina, no que deve ser o maior caso de pirataria do cinema brasileiro. fato é que o filme caiu na boca do povo. era assunto único. eu estava na faculdade na época. o professor de jornalismo impresso decidiu criar um caderno especial temático e distribuiu missões entre os alunos. a mim – e a outros dois colegas – coube contar quantos tiros foram dados ao longo do filme. falhamos miseravelmente. era mais fácil sobreviver a uma tortura do capitão nascimento do que contar os disparos.
14.
só eu não esnobei josh brolin quando ele veio ao brasil divulgar mib: homens de preto 3. a coletiva para pequenos veículos de internet duraria, no máximo, meia hora e cada jornalista poderia fazer apenas uma pergunta. óbvio que todo mundo focou no will smith. além da grande estrela da franquia, o cara é muito carismático. brolin tem um perfil bem mais discreto, mesmo com um currículo invejável. apesar de javier bardem ter roubado a cena (merecidamente, aliás, e olha que tentaram sabotá-lo com o penteado do beiçola) em onde os fracos não têm vez, nunca me esqueci da atuação memorável de brolin. esnobei will smith na coletiva (na matéria, não teve jeito, o título foi uma declaração dele). nunca vi um ator ficar tão feliz ao receber uma pergunta quanto josh brolin naquele dia.
15.
ney latorraca me sequestrou. era agosto de 2011 e estávamos no festival de cinema brasileiro de miami. eu estava lá para cobrir a festa de quinze anos do evento para as redes sociais oficiais; ele era um dos convidados. seu neyla abandonou uma sessão no meio e veio em nossa direção (eu, a assessora e a fotógrafa do festival esperávamos do lado de fora). “o filme é um porre, chatérrimo”, disse com sua voz e seu sotaque inconfundíveis. ele estava com fome, mas não queria comer sozinho. de nada adiantou dizer que não poderíamos sair da porta do cinema. ney me pegou pelo braço, me levou até uma loja de cachorro-quente alguns quarteirões depois e me obrigou a esperá-lo comer. ouvi histórias hilárias e rio desse sequestro até hoje.
se você gostou desta newsletter, que tal dizer isso ao mundo?
enquanto eu não volto...
você pode aproveitar para curtir estas dicas:
📖 salvar o fogo, livro de itamar vieira junior (todavia)
🎬 guerra civil, filme de alex garland (nos cinemas)
🎧 clodovil do avesso, série de podcasts da elle brasil
por hoje é só. até mais!
que histórias maravilhosas!
resolvi estudar jornalismo na faculdade depois de ter assistido tapete vermelho; aquele filme com o maravilhoso matheus nachtergaele que homenageia a cultura caipira e o mazzaropi. cinema arte e cinema espaço físico sempre vão ter um lugarzinho no meu coração